Uma droga que mata,
principalmente quando não tem utilidade terapêutica, é uma espécie de
veneno. Quando imaginamos qualquer tipo de veneno, sempre pensamos em
algo nocivo do qual devemos nos afastar, ou na melhor das hipóteses, nos
proteger.
O álcool possui essas propriedades. É uma droga sem
utilidade terapêutica, capaz de provocar a morte, portanto poderia ser
encarada como um veneno, no entanto, isso não acontece, pelo contrário,
nem como droga é considerado por muitos. A que se deve tamanha
deturpação dos fatos?
O álcool tem um valor social
inquestionável, é considerado o “lubrificante” das relações sociais,
produto sempre encontrado na grande maioria dos encontros lúdicos,
festivos ou profissionais. Tem o papel de diminuir nossa inibição
natural, facilitando as relações interpessoais, favorecendo aproximações
de negócios, românticas, sentimentais ou simplesmente de adequação ao
meio ambiente circunstancial. Além disso cumpre um papel econômico
importante pois, sendo um produto de uso das massas, gera o interesse de
diversas indústrias, que usando os nossos ídolos nacionais através dos
diversos meios de comunicação, popularizam indiscriminadamente a droga,
atingindo até mesmo as crianças; mesmo que os impostos coletados na sua
comercialização cubram apenas uma fração das despesas com hospitais
gerais e psiquiátricos e jamais consigam compensar o sofrimento humano
causado a cada família de um desses bebedores sociais, que sutil e
progressivamente transformara-se em alcoólicos.
É nesse ponto,
que a dependência é instalada, que o álcool, o “veneno sutil” apresenta o
seu paradoxo. Como qualquer outro tipo de veneno, a sua suspensão traz
alívio; porém, o álcool aliou-se de tal forma ao organismo que esse não
consegue mais funcionar adequadamente sem a sua presença. Quando o
indivíduo deixa de ingeri-lo passa em curto espaço de tempo a apresentar
um mal estar orgânico e psicológico que progride, em casos graves, a um
quadro dramático conhecido por “delirium-tremens”, onde se observam
tremores pelo corpo todo, chegando até a convulsões tipo epiléticas,
suores profusos, delírios e alucinações com insetos que lhe cercam ou
invadem o corpo. Um pavor indescritível se apodera do indivíduo que
tenta fugir ou se mutilar de forma agressiva, intempestiva e
desorientada. O indivíduo está frente a frente com a morte.
Mas
atentemos bem para o termo “retarda a morte”, pois não há salvação com o
uso continuado do álcool. Simplesmente alivia esses sintomas dramáticos
da abstinência enquanto continua o seu trabalho de alterar a fisiologia
orgânica até chegar ao ponto do colapso inevitável.
Poderíamos então
pensar que nossa preocupação deveria ficar restrita à situação acima,
quando os efeitos do álcool são bastante evidentes. No entanto, nossa
preocupação deve se voltar para a prevenção, para evitar que a doença se
instale. Devemos entender que o álcool é uma droga letal, que cumpre um
papel social entre as pessoas adultas, sadias, de forma circunstancial.
Nunca transformar esse uso de circunstancial em habitual, pois assim
começa a haver a transformação fisiológica do organismo. Mesmo que esse
uso se restrinja a fins de semana. Uma forma de percebermos se o nosso
organismo está sendo alterado pelo álcool, é procurar sentir o nosso
estado de espírito quando temos oportunidade de usar o álcool e
voluntariamente não o fazemos. Se isso traz desconforto psíquico
(irritação, mau humor, inquietação) é um sinal de alerta que apenas a
pessoa que sente pode avaliar (ou disfarçar, se ele quer aparentar
normalidade, mostrando que o álcool não cumpre nenhum papel em sua
vida).
Neste ponto da prevenção, a mudança corretiva dos hábitos
depende exclusivamente da honestidade de cada um. O que podemos e
devemos informar é sobre a estratégia que a doença usa para o domínio do
corpo. Como o álcool tem uma preferência para agir em nível cerebral,
onde existem bilhões de neurônios responsáveis por nossa percepção,
processamento das informações recebidas e execução do comportamento
desejado, ele vai alternando progressivamente a função dos diversos
neurônios atingidos. Se eles individualmente passam a necessitar do
álcool para executarem com mais “eficácia” suas funções, começam a
interferir no processo cognitivo encontrando justificativas para o uso e
negando qualquer argumento que ameace sua interrupção. Essa é a grande
tática utilizada estrategicamente pelo álcool para minar nossa
resistência e iniciar o processo de destruição orgânica. Portanto, a
honestidade do indivíduo que usa o álcool habitualmente é fundamental
para frustrar o desenvolvimento da doença. Somente ele é responsável por
sua própria recuperação. a nós, que adquirimos esse conhecimento, cabe
apenas o papel de atingir a consciência das pessoas na faixa de risco,
confrontando suas defesas (negação, racionalização) com os prejuízos
reais que começam a surgir, de forma solidária, compreensiva, sem cair
no campo emocional, atacando impiedosamente com nossa razão a
fragilidade de quem já se encontra doente ou no mínimo, já começou o
processo.
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